JURISDIÇÃO MILITAR EM ANGOLA
A defesa nacional constitui uma obrigação tradicional dos Estados. Olhando para trás, antes mesmo dos Estados existirem, como
existem hodiernamente, notamos que sempre houve uma espécie de Exército, embora não sendo um Exército regular1, assim é
demonstrado na bíblia, mais concretamente no antigo testamento, isto é, o livro de números já falava de tribos, que tinham Exércitos bastante numerosos, o caso da tribo de Judá, que tinha um exército com setenta mil e seiscentos indivíduos, a seguir vinha / a tribo de Issacar, com cinquenta e quatro mil e quatrocentos, só para citar estas. Cada tribo tinha o seu exército, ou seja, numa época anterior à Cristo. Notamos assim que a necessidade da defesa já é uma realidade bastante antiga.
Considerando que a defesa nacional se configura numa actividade do Estado, tendente a um fim essencial, que é a salvaguarda da soberania nacional, sendo que, as Forças Armadas são um instrumento principal desta ingente tarefa que tem como finalidade
a defesa nacional, parece evidente que todas as suas actividades sejam regidas pelo império legal.
Neste post procuramos reflectir sobre os fundamentos daexistência de forma autónoma da Jurisdição Militar, suas vantagens
e desvantagens. Importa sublinhar que, para tal, analisou-se os pontos fortes e fracos da Justiça militar no contexto angolano e
lançou-se também um olhar para outros ordenamentos jurídicos, sublinha-se sem intuito de estudo comparado, apenas um olhar
sobre as outras realidades para saber sobre a vantagem da existência da jurisdição militar autónoma em tempo de paz.
Assim, a existência de quaisquer Forças Armadas estão sempre associadas a um conjunto de normas em que os seus integrantes estão adstritos. Esta é a base da nossa reflexão.
História da jurisdição militar no contexto angolano
A origem da justiça militar está relacionada com o surgimento da necessidade de defesa. Para garantir a defesa de qualquer país, é necessário a existência das Forças Armadas. Estas Forças devem ser regidas por regras disciplinares que garantam ordem, organização e coesão, na comunidade castrense.
Na verdade, não há Forças Armadas sem um corpo de soldados disciplinados, cumpridores de forma leal e fiel das ordens emanadas, superiormente. Todavia, as ordens aparecem sob a cominação de sanções imediatas, no caso de desobediência, é aí, onde surge o direito militar e com ele a Justiça Penal Militar. Dada especificidade das suas acções, configura-se importante a existência de normas próprias, com fito de garantir o êxito nas missões de guerra e não só, sobretudo na sua forma de ser e estar.
Não tencionamos fazer uma história da Justiça Penal Militar. Vamos fazer apenas uma breve resenha histórica sobre a Justiça
Militar a partir de 1963. Antes desta data, tudo que se podia dizer está intimamente relacionado à história da Justiça Penal Militar portuguesa, por efeito necessário da relação que existia entre a potência colonizadora e as colónias.
Região Militar de Angola
Assim, o DL nº 44961, de 6 de Abril de 1963, dotara a Região Militar de Angola com mais um Tribunal, quer dizer, a partir daquela
data, passara a existir dois tribunais militares territoriais de Angola. Salienta-se que, o que estava na base da criação do segundo Tribunal Militar tinha que ver com aumento processual, tendo em conta os efectivos militares portugueses na altura estacionados no território ultramarino de Angola.
Na fase da descolonização, o Conselho da Revolução, decretou e promulgou o DL. Nº 309/A-75 de 25 de Junho, que veio a extinguir o segundo Tribunal Militar Territorial de Angola, ou seja, passou a existir apenas um Tribunal Militar Territorial de Angola e voltou-se à situação existente antes de Abril de 1963.
Comissão Geral da Justiça
Assim em 1975, foi criada a Comissão Geral da Justiça. Esta tinha competências de formular a acusação e julgamento de processos crimes. Esta comissão foi extinta dois anos depois, pelo despacho nº 105/77,de 29 de Abril do Ministério da Defesa e, por força desta, foi criada a Procuradoria Militar e Tribunal Militar das Forças Armadas2. No sentido de adequar à Jurisdição Militar, foi aprovada a lei n.º 5/83 de 30 de Julho, que alargou o âmbito de competência material dos Tribunais Militares Regionais. No mesmo sentido, a lei n.º 5/83 de 30 Julho estendeu ainda mais as competências materiais dos tribunais militares. Estes passaram a julgar também os crimes de tráfico de diamantes, crimes contra a segurança do Estado, sabotagem económica, só para citar estes, desde que estes ocorressem nas áreas sob jurisdição dos Conselhos Militares Regionais3, art. 1º, do citado diploma.
Tribunal Militar das Forças
Em 1978, ao abrigo da Lei 17/78 de 24 de Novembro, institui o Tribunal Militar das Forças (TMFA), na altura era instância máxima
da jurisdição militar em Angola. Com a aprovação da lei nº 18/88 de 31 de Dezembro, a Lei do sistema unificado de Justiça, assim, no que tange à hierarquia dos tribunais estabelecia que os Tribunais militares eram de primeira instância, (idem) o nº2 do art.5.º. Assim, o TMFA foi integrado no sistema unificado de justiça e transformado em Câmara de Crimes Militares, sob dependência do Tribunal Supremo (comum). Também foi aprovada a lei da justiça penal militar, nos termos da lei 19/88 de 31 de Dezembro.
Neste sentido, a função jurisdicional penal nas Forças Armadas era exercida nos seguintes termos: Tribunal Supremo (Câmara dos
crimes militares), Tribunais Militares Regionais e Tribunais de Guarnição, conforme o art. 4.º, do citado diploma, isto é, no topo dos
tribunais militares estava o Tribunal Supremo (civil), ou melhor, da jurisdição comum.
Facto curioso : o Presidente da Câmara dos crimes militar do Tribunal Supremo tinha dupla subordinação, quer dizer, subordinava-se funcionalmente ao Presidente do Tribunal Supremo (civil) e, militarmente, ao Ministério da Defesa, art.6.º da lei 19/88 de 31 de Dezembro.
Os Tribunais Militares Regionais integravam-se organicamente no Ministério da Defesa e estavam subordinados militar e administrativamente ao chefe de Direcção dos Tribunais Militares. Os Tribunais Militares de Guarnição subordinavam-se militar e
administrativamente aos Juízes Presidentes dos respectivos Tribunais Militares Regionais.
Quanto às competências, estes tribunais eram competentes para julgar todos os processos criminais em que fossem arguidos
militares, excluíam-se processos por crimes contra a segurança do Estado, outro facto peculiar ,em caso de comparticipação criminosa entre militar e civis. Estes eram todos julgados pelo Tribunal Militar, no mesmo sentido, se concorresse na mesma pessoa a qualidade de militar com outra prevalecia a qualidade de militar4. A Lei 19/88 era também aplicável aos membros dos órgãos de segurança e ordem interna e demais forças paramilitares, vide art.11.º do citado diploma.
Assim, em matéria de recurso, ou melhor, os recursos interpostos das decisões proferidas pelos Tribunais Militares era da competência da Câmara dos Crimes Militares, da jurisdição comum, conforme a alínea a) do art.13.º da Lei 19/88, a câmara funcionava como tribunal de segunda instância.
A mesma tinha as seguintes competências: conhecer dos conflitos de competência entre os tribunais militares; recursos interpostos das decisões proferidas pelos tribunais militares; recursos de cassação; recursos de revisão. Também funciona como
Tribunal de Primeira Instância nos seguintes casos: processos em que sejam arguidos Oficiais Generais, Oficiais Superiores, Juízes dos Tribunais Militares e Magistrados do Ministério Público5.
Importante salientar que, com aprovação da Lei nº 1/94 de 7 de Janeiro, lei sobre a criação dos órgãos de Justiça militar , foi
derrogada a lei 18/88 de 31 de Dezembro, sistema unificado de justiça, na parte referente ao TMs6, e revogada a lei 19/88 de 31 de Dezembro. Passou a existir uma jurisdição militar completamente autónoma, por força da Lei nº 5/94 de 11 de Fevereiro, Lei sobre a justiça Militar.
Conselho Supremo de Justiça Militar
Antes da nova Constituição10 e da Lei nº.1-A/08, de 23 de Maio; o CSJM, constituía a máxima autoridade judicial no âmbito da Jurisdição Militar, exercia jurisdição em todo o território nacional e tinha a sua sede na capital do país. Assim sendo, a questão que se impunha a formular era de saber se o Conselho Supremo de Justiça Militar constituía a máxima instância no âmbito da jurisdição militar no contexto angolano, por força da Lei nº 5/94 de 11 de Fevereiro, Lei sobre a Justiça Militar.
Nestes termos, tornava-se difícil arregimentar uma resposta cabal, tendo em conta a natureza do CSJM, isto é, os seus membros, incluindo o seu Presidente, eram nomeados de forma ad hoc pelo Presidente da República, sob proposta do Chefe do Estado Maior General (EMG) e suas competências eram descoincidentes com as competências do STM12. Seguramente, não se
enquadrava na estrutura ordinária do Jurisdição Militar, todavia, a sua não consagração na Lei Constitucional de 1992, não deveria ser entendida como uma Instituição ou uma Instância inconstitucional, por razões a elencar:
– CSJM era uma instância de recurso, desde logo, uma nova questão que se impunha formular era de saber qual era a natureza do recurso que CSJM apreciava no âmbito da sua competência?
Na verdade, o recurso visa corrigir uma decisão anterior e proferida por um tribunal de instância inferior. Neste sentido, o Conselho Supremo de Justiça Militar não funcionava como um Tribunal de Primeira Instância, era de facto uma instância de recurso. Tinha a competência de conhecer dos recursos interpostos das decisões proferidas nos processos em que fossem réus Oficiais Generais e outros réus julgados em primeira instância pelo Tribunal Supremo Militar13. Ou seja, o CSJM visava neste sentido garantir o duplo grau de jurisdição em matéria de facto e de direito, para os réus julgados em primeira instância pelo Tribunal Supremo Militar. Nesta senda, o CSJM era de facto a Instância máxima na jurisdição castrense.
De facto, não podemos dizer que os recursos apreciados pelo CSJM tinham natureza de recurso ordinário, apesar do art. 3.º da Lei da Justiça Militar estabelecer ( ou estabelecia) como eram os Tribunais Militares: o Conselho Supremo de Justiça Militar, o Supremo Tribunal Militar e os Tribunais Militares Regionais, de Zona e de Guarnição. Aliás, como diz nomem juiris não vincula o
intérprete. Primeiro, o CSJM funcionava como Plenário do Tribunal Supremo (na jurisdição comum), assim os recursos que eram apreciados em sede daquela instância (CSJM) correspondiam às recursos para o Tribunal Pleno14 mutatis mutandis.